quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Plantando Árvores

Se for verdadeira aquela velha frase clichê sobre a realização do ser humano, definitivamente, não posso morrer: não tenho um filho, não escrevi dez livros e só pude plantar até hoje, uma única árvore. Mas, ao contrário do que possa parecer, a última parte foi justamente a mais difícil e a que mais insegurança me causa. Ter um filho é algo escolhido, planejado.
Escrever livros pode ser um tipo de necessidade, dessas que surgem de repente e acabam fazendo parte da gente como respirar ou dormir.
Mas a árvore é outra história.
Para uma pessoa como eu, nascido e criado num ambiente urbano, não é fácil ter a chance de plantar uma árvore. E se hoje ainda é assim, imaginem quando eu era criança, entre os anos 80 e 90, quando ninguém falava na necessidade de se preservar o verde do planeta.
Sempre encarei as árvores como coisas que estavam lá, de pé, que serviam para fazer sombras e, no máximo, dar frutas. Mais nada. Só que quando criança, eu passava os fins de semana das minhas férias no sítio da minha avó materna e, um dia, por puro divertimento, minha avó resolveu que nós (eu e meus irmãos), as crianças da casa na ocasião, deveríamos plantar uma árvore.
E foi assim que nós três plantamos uma muda de mangueira. Na verdade, nem chegava a ser uma muda. Era apenas um caroço de manga chupado que, atirado no chão, tinha germinado. A descoberta do caroço aberto, com a mudinha despontando, é que dera a idéia a minha avó. E lá fomos nós, em grande excitação, munidos de pás e ancinhos plantar o caroço.
O trabalho foi feito de manhã bem cedo, mas lembro que, ainda assim, o sol ardia na nuca e o suor escorria. Mas nós achávamos ótimo! Limpamos o chão, que naquele ponto era coberto de capim, e cavamos o pequeno buraco onde foi colocada a semente germinada. Depois o caroço foi coberto com um pouco de terra (não muita) e regado com um pouco de água (não muita), segundo as instruções da minha avó. Ainda plantamos em torno da futura mangueira um punhado de mudas de uma planta rasteira chamada brilhantina, para enfeitar, e cercamos tudo com pedrinhas. Estava pronto o trabalho.
Dali em diante, foi esperar.
Nos fins de semana em que voltávamos para o sítio, cuidávamos e regávamos ao mesmo tempo em que íamos perdendo a paciência quando a muda começou a despontar seus pequenos talos verdes, afinal, vencendo a terra. De início, frágeis, logo começaram a se encorpar, a ganhar forma, anunciando os troncos em que se transformariam.
Isso nos animou e nunca deixamos de molhar as mudas, sempre de manhã cedo, assim que chegávamos ao sítio. Foi assim por um bom tempo, até que as férias acabaram e ninguém mais pensou no assunto. Mas um dia, muito tempo depois, a pequena muda tinha se transformado em uma árvore. Uma mangueira.
Não é muito, mas foi o que fizemos. Foi tarefa infinitamente aquém daquela feita no século dezenove a mando de D. Pedro II, o homem que praticou a ecologia antes de esta ser inventada. (e antes que perguntem: “– o que ele fez?”, lá vai: em 1861, D. Pedro desapropriou algumas fazendas, - cuja região não me lembro com precisão, porém se não me falha a lembrança de tal fato histórico, essas terras correspondem hoje em dia à área da Tijuca, no Rio de Janeiro – mandou chamar um homem, Manuel Archer, para cuidar do replantio. Ajudado por apenas seis escravos, Archer trabalhou durante onze anos, plantando mais de cem mudas, além de transplantar árvores já adultas. É incrível como me lembro de um fato que aconteceu há quase 151 anos? Não, não é. Principalmente quando se tem no colegial um professor de biologia que sempre me enriquecia – e às vezes me cansava – com tais fatos históricos. Biologia e História? É... mas enfim, prosseguindo...
É como eu disse: o que fizemos, de longe, se compara a isso, mas já foi alguma coisa, graças a minha avó, uma espécie de D. Pedro do sítio.
Durante muitos anos, enquanto continuei a passar férias no sítio, pude observar-la crescendo.
Ela, a árvore, que logo começou a dar frutos, tinha uma espécie de nó no tronco principal, parecendo uma cicatriz. Como alguma coisa guardada, que um dia precisasse sair.
É por isso que, muito tempo depois, quando o sítio precisou ser vendido e toda a região antes coberta do mais puro verde, foi loteada e favelizada, fiquei bastante inquieto.
A insegurança de que falei no começo é por causa disso. Não tenho coragem de passar lá. E fico me perguntando: “- será que preservaram a árvore?” / “- será que o terreno foi todo loteado?”
Porque de nada adianta ter plantado uma árvore se ela não ficou de pé. E mais: aquela mangueira sempre foi tão parecida comigo, com a criança que um dia a plantou e que também guardava um nó, desatado anos depois.


______________________________

0 comentários: