quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Vinicius Nunca Falha

Para mim, a maioria das poesias que existem no mundo não precisaria ter sido escrita jamais. Em primeiro lugar, porque conheço pessoas que trabalham em editora de livros. Sei como é.
É assim: O namorado diz para a moça que ele há pouco saiu de um relacionamento difícil e que não pode assumir compromisso agora. Ela volta para casa com um paralelepípedo no peito, atira-se na cama, põe-se de bruços, os joelhos dobrados, os pés balançando no ar, e suspira e funga e resfolega e, súbito, como se lambida pela língua de fogo do Divino Espírito Santo, vem-lhe na alma a centelha da inspiração. E ela toma de um caderno espiral e uma esferográfica e rabisca furiosamente um poema pranteando seu coração partido. No dia seguinte, lê aquilo e chora. E escreve mais um poema sentido, as lágrimas molhando a folha pautada do caderno. Seis meses, doze ficantes e três namorados depois, ela soma 150 poemas. Lê, relê, julga que aquilo tem o quilate de um Drummond e pinga o título: "(Des) Encantos Meus".
Agora, é só encontrar uma editora com sensibilidade para novos autores. Quer dizer: o editor sofre. E é com base na experiência de um amigo meu, antigo funcionário de editora, que posso afirmar veemente: o editor s.o.f.r.e
Mas até entendo esses fazedores de versos. São tantos sentimentos em ebulição na cidade... O business da questão é pô-los no papel de forma compreensível, o que é difícil; e universal, o que é mais difícil ainda; e agradável, o que parece quase impossível para todos esses milhares de poetas, salvo dois ou três.
Esse é o meu problema com os poetas não-publicados. Ou com os pouco publicados.
Mas também tenho problemas com os fartamente publicados. Que é mais um defeito meu do que deles. É que às vezes não os compreendo! Uma burrice minha, bem sei.
Sou um espírito literal.
Por exemplo, vou pegar um poeta sobejamente publicado e conhecido. Uma, na verdade: Cecília Meireles. Quando Cecília Meireles escreve:

“Brumoso navio
O que me carrega
Por um mar abstrato
Que insigne alvedrio
Prende à idéia cega
Teu vago retrato?”


Quando ela escreve isso, o que ela quer dizer? Não sei o que significa isso, que a carrega por um mar abstrato, que insigne alvedrio prende à idéia cega o tal vago retrato.
Aí está! Freqüentemente, os poetas me colocam nessa situação: eu contemplando minha própria estupidez.
Agora, se for em frente na poesia e conseguir compreender o que é o brumoso navio da Cecília Meireles, chego ao fim do texto e penso: mas que importância tem isso, afinal, para ser cantado em verso?
O meu espírito literal.
Assim sempre foi a minha relação com a poesia. Até que conheci o Laércio. Não se pode dizer que o Laércio fosse um cara bonito. Não era. Bem, não pra mim. Também não era feio, mas estava longe de ser um Deus grego. Tratava-se de um ser comum: não muito alto, não muito baixo; não chegava a ser gordo, nem magro. O cabelo dele ficava entre o loiro e o moreno, o crespo e o liso, o curto e o comprido. Não se podia dizer que fosse inteligente. Mas para burro também não servia. Qual era, então, o segredo do sucesso do Laércio com as mulheres?
Sim, porque o Laércio fazia (e deve fazer até hoje) retumbante sucesso com as mulheres.
As mulheres mais cobiçadas, de pernas mais longas, de lábios mais carnudos, de nádegas mais empinadas; as mulheres que flutuavam em vez de caminhar; que não entravam em lugar algum, mas faziam sua entrada; as mulheres que todos queriam!!!
O Laércio as tinha!
Como, meu Deus? Como??? Resposta: por causa da poesia.
Uma noite, num restaurante em casa-forte junto com um amigo nosso em comum – o mesmo que tinha nos apresentado -, descobri. O Laércio não me via, mas eu o via. E o ouvia. Ele estava jogando aquele “chalalá” para cima de uma loira de um metro e setenta e três. Sei que ela tinha um metro e setenta e três, porque as loiras de um metro e setenta e três são diferentes de todas as outras. O Laércio estava com as duas mãozinhas dela entre as mãozonas dele. Olhava-a com olhos de fogo. E declamava:

“De tudo ao meu amor serei atento antes
E com tal zelo e sempre e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento”.


Foi quando entendi tudo: a poesia! Comecei a prestar mais atenção nas conversas do Laércio a cada vez que saiamos juntos eu, o Matheus, e o Laércio com as meninas. Percebi que ele gastava 50% do tempo declamando para elas. Fazia gestos, impostava a voz, era o próprio Castro Alves em ação! Laércio, o condoreiro.
Desgranido. Que fazer? O tal ditado americano: se você não pode vencê-lo, una-se a ele. Ou o imite. Foi o que fiz. Comecei a ler poesia com mais critério. Um dia, ataquei uma grande amiga minha de Olavo Bilac em riste:

“Longe de ti, se escuto, porventura,
Teu nome, que uma boca indiferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos, de repente...”


Ela fez:
– Uóóó!!!

E, todos sabem, uma mulher, quando apita, é porque está prestes a oferecer seu coração ao homem que a fez apitar. Pois ela apitou. E tudo deu certo... E foi bom... E as estrelas luziram mais coruscantes no céu de Recife (tanto que depois dessa insolência, ela continua minha amiga até hoje – ahahahaha – só sendo mesmo muuuito amiga).
Assim, comecei minha incursão pelo mundo da poesia. Às vezes, assestando um Guilherme de Almeida, noutras, mandava um bom Fernando Pessoa de quebra e, quando tudo parecia perdido, tascava um Vinicius de Moraes.
Vinicius de Moraes não falha.
Passei a amar de poesia depois do Laércio. A compreender mesmo as menos literais, eu, com meu incorrigível e obtuso espírito literal. Qualquer dia desses, quem sabe?, talvez escreva um livro de poemas. Algo que terá um título como (Des) Ferindo. Ou (Des) Amores. Por que não (Des) Afetos? .


PS¹. Laércio, eu bem sei que você lerá isso aqui. E desde já deixo registrado: Sim, obrigado por me jogar (literalmente, como sempre!) num mundo deliciosamente mais poético.

PS². Não Laércio, isso não é uma homenagem a você.

PS³. Saudades suas.











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quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Simples Pretensão

Certo dia, conversando com um dos meus irmãos, resolvemos que iríamos abandonar o corte de cabelo a tesoura e passaríamos a cortar o cabelo com máquina. Sempre falávamos sobre a praticidade do corte com máquina e queríamos experimentar.
Pois bem.
Passado certo tempo, perto da época de natal, (nós já estávamos totalmente habituados com a idéia do corte a máquina) comecei a pensar que gastávamos uma fortuna (exagero meu, claro) pra ir a um barbeiro passar a máquina no cabelo. É que um de nossos vizinhos, o Diogo, tinha acabado de comprar uma dessas e nos ofereceu emprestada, para que se caso nos ficássemos interessados, ele nos daria todas as dicas a respeito do melhor modelo, marca, etc.
Nós então - totalmente empolgados - numa tarde de sábado, corremos pra casa do Diogo e aceitamos a oferta que ele havia nos feito. Antes de qualquer outra coisa, pensamos:
“Nossa! A gente aprende a usar e pede pra nosso pai nos comprar uma dessas! Adeus a fila de espera no barbeiro!”
Como meu irmão iria passar o natal e o réveillon com a namorada que ele havia conhecido no carnaval do mesmo ano e até então não tinha a visto mais (calma, a guria é do Rio Grande do Sul, tchê!), me ofereci pra dar um trato na cabelama dele.
“É de graça e é tão simples” – pensei.

- Tem certeza de que você sabe usar isso mesmo?

- Claro! Mais fácil? Impossível!

- Tá bom, então. Olha, o barbeiro passa máquina três geralmente.

- Ah, tá na mão!

(Din-don!) – Péra aí que estão tocando a campainha. – Disse o Diogo – (Minutos depois) - Ah bobagem! Era um pessoal querendo informação. Vâmo lá pro banheiro pra não fazer bagunça na varanda.

- Sento aqui no vaso mesmo?

- É. A altura tá boa pra mim.

- Como é que eu vou ver como está ficando?

- Mas desse lado você não enxerga o espelho mesmo... Que diferença faz?

- É.

- Vai ficar igual! Confie em mim!

Ajustei a máquina. Meu irmão com os olhos fechados, pronto para o estrago.
Sim, estrago. Não sei por que desvio do destino – pode ter sido a campainha – no lugar do pente três coloquei o pente número um. E não sei por que desvio maior ainda, dei a primeira raspada bem no meio da cabeça, na frente! (...)

- Opa!

- O que foi menino?

- Nada não. Fica quieto aí.

Eu não podia me conter. O meu irmão tava parecendo o bozo! Abri um buraco no meio da cabeça dele e logo dei uma olhada rápida pra máquina constatando o meu erro.
Eu ria abafado, as lágrimas escorrendo pelo canto dos olhos. E ele:

- O que merda tu ta fazendo?

- Nada não menino; só comecei pelo meio da cabeça, ficou engraçado...


- Ah, bom...

Nesse exato o momento, o real culpado – o Diogo, claro! – aparece na porta e sai correndo pra se desmanchar em gargalhadas na sala.
E eu, já que havia começado errado, ia assim até o fim. Afinal, eu tinha que entregar o trabalho pronto. Não era bem o que ele queria tampouco o que ele pediu, mas ia ter seu charme... (principalmente porque não era em mim!)
Pra não assustar meu cliente-parente, ou melhor dizendo, paciente, ou melhor ainda dizendo, cobaia, fui falando no finalzinho do corte:

- Tá ligado o que a gente vai ter que fazer quando passar no vestibular?

- Por que, hein, menino?

Pelo tom, notava-se o grau de “satisfação” do rapaz.

- A gente tem que raspar né? Bem curtinho...

- O que você fez?

- Mmmmm... Veja.

- PUTA QUE PARIU!

- Ah, ficou bom... Você tá mais jovem!

- Eu sou jovem, idiota! Eu tô é careca!

- Careca não! Máquina um!

- Mas eu falei que era máquina três!

- É, falou, mas aí não sei por que comecei a cortar com a máquina um que eu iria usar pra fazer o acabamento...

- PUTA MERDA! Luíza vai me achar horrível!

- Vai não! Ficou bonito!

Enquanto isso o Diogo – o real culpado! – rolava no sofá da sala de tanto rir.
Ele – o meu irmão – saiu pisando duro. Aí eu percebi que ele tinha realmente ficado “chateado” (pra não usar outros termos...) comigo.
Antes que ele chegasse em casa, eu liguei e pedi pra minha mãe elogiar o corte de cabelo no exato momento em que o visse!

- Por que, Rodrigo? O que tu fez?

- Eu acho que cortei demais...

Quando cheguei em casa, a confusão tava feita: meus pais e meu irmão chateados comigo por culpa desse “acidente”
Coitado, passou uma semana se lamentando e torcendo pra namorada não dizer logo de cara: “O que aconteceu com teu cabelo?”
Ainda bem que foi sensível e nem comentou nada. Eu fiquei chateado por um tempo, sempre que me lembrava disso... Hoje, eu e ele rimos bastante desse caso...
Ficou de lição o seguinte: mesmo as coisas mais simples, as coisas que parecem descomplicadas; precisam ser feitas com total atenção.
Hoje em dia também, eu consigo separar bem a minha capacidade do meu limite.
Eu sei que o posso fazer... Mas até quando posso? Até quando devo? Será que realmente posso?
E essas perguntas eu levo a qualquer tipo de situação, principalmente, aquelas que eu acho que tenho total domínio.
Seja por pretensão, por desprezo ou pelo o que as situações realmente são e/ou pedem:
A circunspecção.


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