segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A Originalidade

Há pouco, estava me lembrando de uma conversa que tive com uma amiga, que disse ter passado no vestibular por ter alcançado nota máxima na prova de redação da universidade federal e, ocorrido isso, me ligava pra agradecer.
Daí, você me pergunta: “- Sim, onde você entra nisso?”
Pois bem, segundo ela, a nota máxima veio em ligação a uma das crônicas que eu escrevi aqui. Crônica da qual ela copiou até frases exatas! E antes que ela ou alguém que leia esse relato pense que eu estou com raiva de tal atitude, deixo claro que não. Não estou. Não só não estou; como me sinto homenageado, isso sim! E totalmente convencido! E também não é pra menos! Quando eu poderia imaginar que meus pensamentos, relatos e crônicas fossem servir de inspiração pra alguém? No entanto, isso também me fez pensar e procurar relatos e/ou fatos parecidos. No meio dessa busca, encontrei um texto que me chamou atenção, chamado Instantes. Começa assim:

“Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima, trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser perfeito, relaxaria mais. Seria menos tolo ainda do que tenha sido; na verdade, bem poucas coisas levaria a sério. Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais crepúsculos, escalaria mais montanhas. Iria a mais lugares onde nunca fui. Teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.”

A autoria era de ninguém menos que Jorge Luis Borges, o grande escritor argentino. Guardei o texto. Mas aí de site em site, de busca em busca, procurando saber mais sobre o Borges, foram surgindo algumas dúvidas. Uma professora da Argentina, duvidando que o texto pudesse ser mesmo do Borges. E, de uma leitora que em Miami, tinha comprado toalhas de mesa, de papel, com vários textos impressos – entre eles, o Instantes, porém, em inglês e sem assinatura alguma. Passada toda essa confusão, descobri que o esclarecimento definitivo só veio anos depois com depoimentos da viúva de Borges, que afirmou que o texto não era do seu falecido marido. O texto havia sido publicado numa antologia da Bantman Books(USA), traduzido para o castelhano e incluído, em 1987, em revistas americanas com caricaturas e legendas de Jorge Luis Borges. Um locutor de rádio leu a revista, imaginou que o poema seria de Borges, já falecido, e o divulgou como tal.
O texto chamar-se-ia, originalmente I’d Pick More Daisies (Eu colheria mais margaridas) e teria sido escrito por uma norte-americana chamada Nadine Stair. Esta por sua vez, personagem misteriosa: talvez fosse uma senhora residente no interior dos Estados Unidos, com idade variável entre 80 e 90 anos e, à ocasião da elaboração do texto, gravemente doente. Acontece que ninguém localizou essa pessoa. Descobriu-se, isto sim, uma Nadine Strain, que havia morado na mesma cidade (Louisville, Kentucky), com mais ou menos a mesma idade atribuída a Nadine Stair. Para complicar mais as coisas, outros atribuíram a autoria do texto a um frei desconhecido de Nebraska. Nada disso impediu que Eu colheria mais margaridas ou Instantes fizesse sucesso. Foi traduzido para pelos menos seis idiomas. E na internet são encontradas mais de 700 referências ao mesmo, muitas delas citando Borges como autor.
Borges não foi o único autor a emprestar seu nome a um texto apócrifo, de autor desconhecido. O mesmo aconteceu com Gabriel García Márquez, prêmio Nobel de literatura. Também há relatos sobre esses acontecimentos na nossa terrinha, como o texto No caminho com Maiakovsky, de autoria do Eduardo Alves da Costa, e que ora é atribuído ao dramaturgo Berlot Brecht, ora a um pastor ativista anti-nazi, ora ao próprio poeta russo, Maiakovsky.
Finalmente, é bom lembrar que Luis Fernando Veríssimo, Martha Medeiros e Arnaldo Jabor, já foram apontados como autores de textos que circularam na internet – no caso de Veríssimo, uma ofensa contra um grupo de música pop, o que lhe causou grande dor de cabeça.

Pois bem, formulado a base, esse é o assunto em questão: a autoria ligada a originalidade.
A noção de autoria é relativamente “nova”. Surgiu com a modernidade.
Antes disso, a situação era diferente. A ninguém ocorria assinar poemas, canções, etc.
Autores de textos com o antigo testamento são desconhecidos, e o mesmo sucedeu com os artistas que adornaram com suas esculturas e pinturas as igrejas da idade média.
Às vezes, o autor era um rótulo, uma grife. Já na era moderna, a autoria consolida-se como forma de expressão pessoal e de propriedade intelectual: nasce o direito autoral. E também nasce o plágio: idéias e textos passaram a ser copiados, mais recentemente sob a forma de edições piratas.
Na internet, porém, é onde ficamos diante de uma situação mais insólita, gerada pelo anonimato de pessoas que podem promover intervenções até drásticas – vírus que derrubam sistemas inteiros – sem sequer se identificar. Eu não nunca tive problemas quanto a isso. Tanto que busco inspiração nas mais diversas formas... Em conversas com amigos, em blogs alheios, espiando o comportamento de alguém em uma parada de ônibus, prestando atenção numa letra de música brega, etc. Mas não seria isso uma forma de plágio? E será o plágio algo totalmente prejudicial?
Por fim, encontro-me sempre reavaliando meus valores e com eles, meu comportamento.
Totalmente atento ao fato de que no fim de tudo isso, sempre existiu ou existirão coisas de um mundo com o qual temos de aprender a conviver.

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