terça-feira, 3 de julho de 2012

Noite Em Claro Com Nelson


Madrugada, insônia e baixou-me o sobrenatural de Almeida. Com o olho rútilo e lábio trêmulo, psicografei esta entrevista com Nelson Rodrigues. Ele não fugiu de nenhuma pergunta e o que mais gostei foi a coincidência de ver que as repostas soavam igualzinho às frases que eu já tinha lido em seus contos, romances, peças, memórias e crônicas. Esperem! Coincidência?

É verdade que toda mulher gosta de apanhar?
Todas, não, só as normais. As neuróticas reagem. O homem é que não gosta de bater.

Quer dizer então que bater resolve?
O pior na bofetada é o som. Se fosse possível uma bofetada muda, não haveria ofensa, nem abjeção, nada.

Porque você era obcecado pela fidelidade conjugal?
Porque em todo casal há sempre um infiel. É preciso trair para não ser traído.

Existe amigo fiel?
O amigo nunca é fiel. Só o inimigo não trai nunca. O inimigo vai cuspir na cova da gente.

O que realmente é importante no casamento?
O que vale é a humildade capaz de beijar os pés e o chão. O sexo é o de menos.

Como você definiria o ato sexual?
O ato sexual é como uma mijada.

Mesmo no casamento?
O amor entre marido e mulher é uma grossa bandalheira. É abjeto que um homem deseje a mãe dos seus próprios filhos.

E entre separação ou traição, qual deles é preferível?
A traição, mil vezes a traição.

Mas por que não acabar com um casamento que não tem nada a ver?
Porque o casamento já é indissolúvel de véspera.

Então, o que é preciso pra salvar um casamento?
O cinismo (risos). É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de prata.

Quem pensa mais em sexo, o homem ou a mulher?
A mulher é mais pornográfica que o homem.

Como assim?
Toda mulher que se ruboriza facilmente é sensual.

Mas isso é loucura!
Não é. A prostituta só enlouquece excepcionalmente. A mulher honesta, sim, é que devorada pelos próprios escrúpulos, está sempre no limite, na implacável fronteira.

Você acha mesmo?
Acho. Certas mulheres precisam trair para não apodrecer.

Quer dizer que não há saída?
Meu caro, se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.

Você acredita que as mulheres reagem de acordo com a classe social a que pertencem?
Não. Qualquer mulher é suburbana. A grã-fina mais besta é chorona como uma moradora do Encantado ou de Del Castilho.

Existe mulher fria?
Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível.

Há muitas diferenças entre o Brasil de hoje e o de vinte anos atrás?
O desenvolvimento trouxe um medonho estimulo erótico. Nunca o brasileiro foi tão obsceno. Vivemos numa ginecológica.

Qual a idade ideal de uma mulher?
Todas as mulheres deviam ter quatorze anos.

E a do homem?
As paixões mais sérias do homem são dos seus seis aos dez anos.

Então, essa seria a fase da idade ideal pra o homem?
Não, porque antes dos 30 anos, o homem não sabe como se diz bom dia a uma mulher. E depois dos cinquenta, o sujeito só tem paixões de ópera, de Vicente Celestino, de primeira página de “O Dia” e de “A Luta Democrática”.

Por que você era contra o biquíni?
Porque o biquíni é uma nudez pior que a nudez.

E o decote? Não era uma coisa fora de moda preocupar-se com isso?
Não. Um vago decote pode comprometer ao infinito.  Só o ser amado tem o direito de olhar um simples decote.

Mangas cavadas também?
A exposição das axilas, fora do local e do momento próprios, é uma degradação.

Bem, pelo visto, isso deixou de ser um problema, não? Está todo mundo nu por aí.
(Suspirando) – A nudez feminina perdeu todo o suspense e todo o mistério. Vivemos a mais despida das épocas.

Quanto ao sexo. O sexo impõe alguma objeção física?
Aos magros como você, sim. Os magros são deviam amar vestidos, e nunca no claro. Além disso, todo canalha é magro. Já os gordos são de uma mansidão bovina.

(Risos) Obrigado pela parte que me apetece.
(Risos) Não por isso.

E para as mulheres?
A única nudez realmente comprometedora é da mulher sem quadris.

Você acredita que possa haver amor eterno?
Todo amor é eterno. Se não é eterno, não era amor.

E isso tem de valer para os dois?
Sim. O amor não deixa sobreviventes.

Ora, nesse caso, não seria o amor uma impossibilidade?
Absolutamente! É o amor que impede o homem de trotar a Avenida Presidente Vargas montado por um dragão da independência. Um dragão do penacho.

Dinheiro compra amor?
O dinheiro compra tudo. Até amor verdadeiro.

E o pecado?
O pecado é anterior à memória. E já existia quarenta mil anos antes do paraíso.

E ódio, existe?
A pior forma de ódio é o ex-amor. Ninguém perdoa aquele ou aquela por quem deixou de ser amado.

Pra finalizar, como você explica a famosa frase “Toda unanimidade é burra”.
Porque quem pensa com a unanimidade não precisa pensar.