sábado, 26 de fevereiro de 2011

Costurando

O que eu poderia oferecer seria tudo:
casa & coração, cama & fantasias.
E depois, comida, anjos & santos,
música, poesia & flores na mesa.
Se você cedesse alguns milímetros,
eu moveria mundos.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Dedos Que Sentem

Eu choro pouco. E agora estou me entendendo um pouco mais.
Sabe a sensação de vontade de chorar sozinho, sem ninguém perguntando por quê? Por que. Apenas por que. Nem porque sim, nem porque não.

Essa vontade de sair correndo e chorar sem me fazer perguntas eu também tenho. Mas meus olhos são secos como o lado de dentro de uma vidraça que mostra a chuva. Eu tento manter-me no lado de dentro, mas meus dedos estão sempre do lado de fora. É lá que não contenho as lágrimas e derramo-as em forma de palavras. Faço-as escorrer pelos dedos, melosas e abundantes como as mortes súbitas das guerras, rápidas como um tiro.

Eu também fecho os olhos quando o sentimento dá piruetas no peito, mas não saem lágrimas, saem palavras. Eu também soluço, mas ninguém percebe; são vírgulas, pontos e às vezes os inevitáveis pontos finais.

Parágrafo, letra maiúscula. A febre que parece me queimar arde nas mãos. Enxugo-as, grandes e vermelhas; assopro a palma da mão. As unhas quase não crescem mais e isso não é um problema. Hora ou outra as unhas acabam mesmo.

Ouço umas dessas músicas tristes que existm no mundo e, quando meu ouvido grita clamando por piedade, vejo que há sempre alguém um passo mais próximo do abismo que eu. Mesmo que minhas pernas já tenham balançado trêmulas, raladas e impotentes no batente da janela do prédio. Mesmo que já tenha sido por várias vezes tentado a entrar numa floresta e não voltar mais.

Tenho medo de andar perto de florestas porque elas sempre me chamam e quase me sugam e eu sempre quase vou. É como se o meu amor de perdição me chamasse para subir na garupa de sua moto para rodar o mundo sobre duas rodas e uma paixão. Na hora, meu coração sairia à frente de meu peito, desesperado, puxando o resto do corpo como um cavalo puxaria uma senhora idosa. Mas a cabeça, essa senhora idosa, é pesada demais. É o anticlímax do ultra-romantismo. Ela sabe que o coração quer aquilo para sempre naquele minuto. E não aquele minuto para sempre.

Ela carrega consigo a sabedoria dos sofridos e mutilados, ela foi castigada ao receber a habilidade de se lembrar. Memória é a verdadeira bola de chumbo presa aos pés dos sentimentos mais agudos.

Sou uma senhora idosa com uma bola de chumbo presa aos pés e a terra, presa as rédeas de um cavalo alado desenfreado e selvagem nas mãos, querendo alçar vôo. E é por isso que dou vazão a esses sentimentos todos escrevendo freneticamente. Quando escrevo, sou apenas um cavalo galopando de olhos vendados em busca de... - nem ele sabe o quê.
Apenas galopando, arfando e sentindo que algo fora de seu controle o faz relinchar. O equino pode achar que cavalgou milhares de milhas, mas quando lhe tiram a venda, percebe que a senhora idosa continua presa à bola de chumbo, serena. E que a paisagem ao seu redor não mudou.

Não, eu não estou chorando. Repito: estou escorrendo pelos dedos.
Às vezes odeio meus dedos por não serem tão precisos.
Às vezes amo-os porque poderiam errar mais, mas acertam.

Na maioria das vezes eu nem noto que são dedos escrevendo. Eles são meras extensões de minha cabeça estranha. Como os galhos mais finos de uma árvore de copa bem larga. São as últimas folhas de milhares de outras, mas são as que transbordam as gotas d’água depois da tempestade. Comigo também é assim. A chuva cai sobre minha cabeça e os últimos vestígios do temporal, geralmente a arma do crime, são meus dedos. Eles tardam a secar e eu tenho vergonha porque todos vêem. Agradeço, porém, pelo fato de que ninguém nunca vê e nunca sabe qual o estado das raízes. Nem mesmo eu.

Mas é assim que tem de ser.
Não é genuíno mergulhar literatura na vida.
Há que se mergulhar a própria vida na literatura.
E isso é uma doce maldição. Saímos do mergulho encharcados de sangue, alegria, dor, lágrima, suor e porra.

É um preço alto, eu sei. Mas se puder fazer um arrendamento, juro que quero pagar.